Ricardo Bastos*
Uma recente decisão do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ/PE) trouxe novamente à tona um tema relevante e sensível: a fidelidade das informações prestadas pelos segurados no momento da contratação de seguros, especialmente no que se refere ao local de pernoite do veículo. No caso julgado, a seguradora foi isentada de pagar a indenização porque o veículo foi furtado fora do endereço de pernoite declarado na apólice.
Segundo aquele Tribunal, o endereço informado pelo segurado como sendo o local onde o carro permaneceria à noite foi alterado de maneira substancial e sem comunicação prévia, o que comprometeu a avaliação do risco feita pela seguradora. Com base nisso, a negativa de cobertura foi mantida.
Em São Paulo, um segurado teve a indenização negada após mudar de residência sem informar a seguradora, apesar de essa alteração poder impactar o valor do prêmio. Em outro caso, a negativa ocorreu porque o veículo foi furtado enquanto estacionado na rua, embora a apólice previsse que ele pernoitaria em garagem
Esse tipo de situação tem se tornado cada vez mais comum: seguradoras têm utilizado a tese da divergência entre as informações da apólice e o sinistro ocorrido como fundamento para negar o pagamento das indenizações, alegando quebra de boa-fé contratual.
É certo que o contrato de seguro é regido pelo princípio da boa-fé objetiva, conforme previsto no artigo 765 do Código Civil. A legislação exige que segurado e seguradora atuem com lealdade, veracidade e cooperação mútua, inclusive no momento da contratação, quando as informações prestadas pelo segurado servem de base para o cálculo do prêmio e para a avaliação do risco a ser assumido pela seguradora. Por isso, a precisão das informações é fundamental para que a seguradora possa estabelecer as condições da apólice. Alterações substanciais nas circunstâncias inicialmente declaradas devem ser comunicadas imediatamente à seguradora. A falta dessa comunicação pode resultar na negativa de cobertura em caso de sinistro, pois configura descumprimento das obrigações contratuais pelo segurado
De fato, omissões ou informações falsas podem comprometer toda a lógica atuarial do seguro, e o artigo 766 do Código Civil autoriza, nesses casos, a perda do direito à indenização. No entanto, é necessário cautela na interpretação dessas regras.
Diante do aumento de litígios relacionados a divergências nas informações prestadas, é essencial que os segurados estejam cientes de suas responsabilidades e da necessidade de transparência ao contratar um seguro. A boa-fé e a comunicação precisa são pilares para a validade e eficácia dos contratos de seguro, protegendo os direitos de ambas as partes envolvidas.
De fato, omissões ou informações falsas podem comprometer toda a lógica atuarial do seguro, e o artigo 766 do Código Civil autoriza, nesses casos, a perda do direito à indenização. No entanto, é necessário cautela na interpretação dessas regras
Entretanto, é importante a ponderação na análise do caso concreto. Apesar da relevância do princípio da boa-fé e da necessidade de informações precisas, é fundamental que o Poder Judiciário adote uma abordagem equilibrada, distinguindo claramente situações excepcionais de condutas intencionais ou dolosas do segurado.
Há circunstâncias legítimas em que o veículo pode pernoitar em local distinto daquele indicado na apólice, sem que isso implique, necessariamente, tentativa de fraude ou má-fé por parte do segurado.É razoável presumir, por exemplo, que o segurado eventualmente viaje e deixe o carro estacionado fora do local habitual, o que não descaracteriza a boa-fé contratual. Também é comum que, durante reformas ou obras em sua residência, o segurado tenha que se hospedar temporariamente na casa de parentes ou amigos, onde nem sempre há garagem disponível. Não podemos esquecer, ainda, que desastres naturais, acidentes domésticos ou mudanças temporárias por razões de saúde também são alterações de domicílio, sem configurar uma intenção maliciosa do segurado em prejudicar a seguradora.
Em todas essas hipóteses, o desvio pontual do local de pernoite não necessariamente altera de forma significativa o risco contratado, tampouco evidencia conduta dolosa. Exigir que o segurado comunique previamente qualquer deslocamento ou circunstância temporária seria tornar o contrato de seguro excessivamente rígido, comprometendo sua função social e a confiança entre as partes.
A proteção contratual conferida pelo seguro deve ser analisada dentro do seu contexto, observando-se a razoabilidade e a proporcionalidade das condutas. É legítimo que as seguradoras queiram se proteger de fraudes e omissões relevantes, mas é igualmente necessário que o Judiciário atue com sensibilidade para distinguir situações excepcionais e inevitáveis daquelas em que há, de fato, má-fé do consumidor.
O equilíbrio entre a proteção dos interesses da seguradora e a preservação do direito do segurado é essencial para que o contrato de seguro cumpra seu papel de instrumento de segurança, estabilidade e justiça.
*Ricardo Bastos é advogado sócio do Fonseca Lima & Bastos Consultoria Jurídica
ricardovbastos@gmail.com
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