Iarodi D. Bezerra*
“Não sei”. Foi assim que um paciente de 16 anos de idade respondeu à minha pergunta sobre “O que é a vida?”.
Fiquei em silêncio ao som da canção “O que é o que é?”, de Gonzaguinha, na cabeça como fundo musical. Após algumas intervenções pontuais, o tempo da sessão chegou ao fim. Era o último paciente, então arrumei minhas coisas e fui embora, ainda com ela ecoando no pensamento.
Fiquei pensando naquele jovem, e o quão triste deve estar por não saber definir o que é a vida. Andei pela praça em meio ao vento cortante da noite, passei pela venda de frutas que estava fechada. “O que é a vida?”, fiz novamente essa pergunta para mim, antes de atravessar a rua. Certo é que aquele jovem, com seu “sem saber”, mexeu comigo e com o meu “saber”. Eu sei definir o que é a vida?
Talvez eu, no lugar dele, tivesse definido sob a perspectiva médica, incrementando um monte de citações filosóficas. E isso satisfaria o meu interlocutor. Na realidade, penso eu, que as pessoas desaprenderam a viver, e por isso o conceito se perdeu em algum lugar da biblioteca do tempo.
A verdade é que o dia do juízo final virá e o juiz irá nos confrontar com como vivemos as nossas vidas. Meu temor é ver o grande número de pessoas que serão condenadas a pagar um alto preço por terem substituído o viver pelo sobreviver.
O fato é que, precisamos reencontrar o caminho de volta ao viver. Reaprender a sentir a vida em sua plenitude, dando sentido nos mínimos detalhes de cada pequena atividade que façamos
E não é assim que se tem vivido, andando sobre a face da Terra no modo sobrevivência ligado? Sem qualquer sentido, apenas carregando a marca do “seguir em frente”, sem qualquer propósito? Em que qualquer lugar que se vai é destino? Em que qualquer coisa que se ponha na boca será sabor? Ou em que qualquer gesto é afeto?
Veja: trabalha-se sem o ardor da vocação. Faça qualquer concurso; o importante é ter um bom salário para pagar as contas. Tenha filhos, mas os lance em diversas atividades e não os veja crescerem. Assistam a cortes, são mais rápidos e compactos. Vá à academia, mas apenas quando puder. Almoce, jante; curta quem ama apenas em espaços possíveis da agenda; o tempo urge! Ligue para um monte de picuinhas, colocar para fora faz bem!
Foi assim, com a falta de sentido para a vida, que abrimos a porta de nossos corações para que desafortunados como a ansiedade, a depressão, o Complexo de Atlas, os inúmeros vícios e as dependências emocionais entrassem e revirassem tudo lá dentro, definhando sadicamente o conceito de viver, a ponto de se encontrar esquálido nos lábios das pessoas.
O fato é que, precisamos reencontrar o caminho de volta ao viver. Reaprender a sentir a vida em sua plenitude, dando sentido nos mínimos detalhes de cada pequena atividade que façamos. Seja no seus afazeres laborais, seja no estar com os filhos; seja no sentar à mesa para comer algo, saboreando cada mordida, seja no decidir qual destino deseje ir verdadeiramente, aproveitando cada passo da jornada.
É, talvez eu devesse levar na próxima sessão a canção “O que é o que é?” para o jovem a escute. Acredito que ele irá, assim como aconteceu comigo, se surpreender com a verdade da resposta ali musicada para a pergunta “o que é a vida?:
“Ele diz que a vida é viver…”
- Iarodi D. Bezerra é Psicoterapeuta. Atua no atendimento infanto-juvenil e de adultos. Facilitador de grupos de psicoterapia.
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