Iarodi D. Bezerra*
Um dia desses, ao entrar em um ônibus após um dia cansativo de atendimentos, sentei, olhei para o lado e vi no reflexo do vidro da janela um homem desconhecido me encarando. As suas feições cansadas marcada por uma coleção de rugas e as tímidas falhas que se manifestavam em seu cabelo me fizeram demorar a reconhecê-lo. Somente quando ele sorriu o reconheci: era eu!
Sabe, essa vivência ficou alguns dias indo e vindo em meus pensamentos, gerando uma reflexão: Encarar o meu envelhecer não era o fenômeno, mas a ação do tempo em nossas vidas!
O tempo é um fenômeno incrível! Filósofos e cientistas se debruçam sobre o tema a fim de nos apresentar uma explicação plausível para seu funcionamento. Destaco as visões de Kant, Hurssel e Heidegger (esse escreveu uma obra com o título O ser e o Tempo!), que define o tempo mais ou menos assim: “…é uma condição cheia de sensibilidade para que os homens organizem suas experiências, ligando a sua estrutura – que não é matéria de domínio do mundo concreto – à consciência presente na existência humana”.
Não é incomum as pessoas dizerem: “estou perdendo meu tempo com isso ou com aquilo”. Eu te pergunto, caro leitor: somos donos do tempo para que o chamemos de meu? Talvez você me responda olhando fixamente para o seu relógio, assistindo os ponteiros se movendo e acreditando que o Tempo esteja ali dentro atrás do vidrinho, como um animal de estimação preso pelo dono. Porém, o contrário torna-se real: os ponteiros que nos domesticam, condicionando-nos a correr, apressar-nos, fragmentar vivências ao seu bel prazer; são verdadeiros domadores de nossa ansiedade!
Bom, meu caro leitor, o fato é que precisamos mudar a nossa relação com o Tempo, apesar de ser difícil ver a ação constante dele, sobretudo em nossos corpos. Mas, se você criar uma lista para uma boa convivência, seria bastante bom!
O Tempo é um artesão habilidoso, que molda todas as experiências possíveis e impossíveis. A partir do mover de suas mãos, tudo se faz e se desfaz, do deslizar do seu pincel sobre a superfície da tela da realidade, revelam-se as cores vivas da paleta das memórias; torna o que se foi, algo vivo, mesmo após anos do acontecimento. Ele também pode ser um terapeuta sagaz que ajuda a ressignificar velhas histórias, dando um novo rumo, refazendo o sentido, bem como diz Machado de Assis, brilhantemente: “o tempo a um rato que rói todas as coisas, as diminuindo ou alterando no sentido de dar outro aspecto”.
Sessão de terapia é um grande laboratório para observação do Tempo. Nesse lugar sua integralidade se manifesta. Pode estar no trafegar livre dos clientes pelo passado, presente ou futuro, trazendo como recordações algum evento da época ou na intervenção do terapeuta sobre um fenômeno ocorrido na primeira sessão. Pode se apresentar através do vagaroso desabrochar de lembranças, enquanto nós, terapeutas, ocupamos o lugar amargo de contabilizar as voltas que os ponteiros dão até marcarem 50 minutos e encerrar todo o fenômeno; mas, uma semana depois, na sessão seguinte, tudo volta à acontecer, como se não tivesse sido movida uma peça de lugar, revelando a mesma energia e cor para o desfecho interno.
Sabe, as escolas deveriam ter em seus currículos uma disciplina que ensinasse somente sobre o Tempo – mas quem seria o professor? Já imaginou as crianças e adolescentes aprendendo sobre a estrutura, o funcionamento e o poder do tempo para além do que é dado nas aulas de Biologia? Como seria incrível vê-los replicando porta a fora da sala de aula, preenchidos por um ímpeto em respeitar limites e a figura das autoridades, ambos arautos do Tempo!
O fato é que esse ensino deveria chegar até nós como um velho sábio que nos abre os olhos lacrados pela ignorância e lançando sobre nossas retinas a luz que ilumina o melhor viver que o Tempo tem para nós; enchendo-nos de força e vigor para lidar contra as cobranças por pressa e agonia impostas pela sociedade para “realizar algo em pouco tempo”, “chegar logo em algum lugar” ou “ter logo algo!”. Seriamos cheios de um espirito de calmaria, de um senso de paz incrível ao apenas fica parado, esperando. Às vezes, o não fazer nada tem lá seus benefícios. Parar a correria diária para dar atenção aos filhos é um tesouro que o Tempo nos dá, pois nos permite carregá-los no colo, pois o voraz agir do tempo os fará crescer e não nos permitirão mais chamegar, deixando apenas um rastro do cheiro de saudade em um ninho (colo) vazio.
Bom, meu caro leitor, o fato é que precisamos mudar a nossa relação com o Tempo, apesar de ser difícil ver a ação constante dele, sobretudo em nossos corpos. Mas, se você criar uma lista para uma boa convivência, seria bastante bom! Creio que esteja esperando que eu exponha aqui como faço isso, não? Bom, certamente eu tenho, mas talvez não vá servir tanto, pois cada um é um. Embora possa ser contraditório, acredito que conselhos podem ser um guia para se começar, né?! Então, que tal começar a fazer uma lista de prioridades de dentre elas escolher uma para aquele momento? Ou que tal, resolver alguma pendência com alguém antes que essa oportunidade seja tomada pelo Tempo? (Esse é um bom conselho, pois pode ser que se torne refém ao som de um tic-tac ressoando dentro da sua cabeça, como se fosse uma sentença perpetua: “E se eu tivesse feito diferente?”
A jornada da vida esta ai, meu caro, oferecendo-nos a cada dia o melhor que o tempo tem para nós!
- Iarodi D. Bezerra é Psicoterapeuta. Atua no atendimento infanto-juvenil e de adultos. Facilitador de grupos de psicoterapia.