Na eterna batalha entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental, o eucalipto costuma ser um alvo. Acusado, muitas vezes, de sugar a água do solo, empobrecer a biodiversidade e “desertificar” paisagens, esse cultivo florestal de rápido crescimento e altura notável é, ao mesmo tempo, a principal base da indústria de celulose – um setor que movimenta bilhões e responde por milhares de empregos na Bahia. Mas, e se parte dessa narrativa estiver desatualizada?
No Extremo Sul da Bahia, a Veracel Celulose aposta todas as suas fichas em uma proposta ousada: provar que o eucalipto pode, sim, ser aliado da floresta. Dona de uma área de 221 mil hectares, a empresa mantém metade do seu território totalmente dedicado à preservação ambiental, enquanto a outra metade é destinada ao cultivo sustentável da matéria-prima que alimenta sua produção de celulose. Por ano, sai de sua fábrica em Eunápolis, 1,1 milhão toneladas.
“Não desmatamos nada para chegar aqui. A silvicultura se instalou onde antes havia pasto ou outras culturas”, garante Virgínia Camargos, gerente de Meio Ambiente e Gestão Integrada da Veracel. “Nossa certificação, inclusive, proíbe a compra de madeira de áreas onde existia floresta nativa”.
Com sólida formação técnica – bióloga e doutora em botânica –, esta mineira de Divinópolis lidera um trabalho meticuloso. A Veracel tem mais de 700 condicionantes legais e atende ainda a cerca de 500 indicadores exigidos por certificações ambientais internacionais, como o FSC (Forest Stewardship Council) e o PEFC (Programme for the Endorsement of Forest Certification).
“A certificação é a cereja do bolo. Ela é voluntária e exige mais do que a licença ambiental. Quando a empresa opta em se certificar ela assume o compromisso de atender critérios que vão além do atendimento legal. Isto envolve a adoção de práticas que promovem a conservação dos recursos naturais, a proteção da biodiversidade, e o respeito aos direitos das comunidades locais e dos trabalhadores”, explica Virgínia Camargos
A busca por reconhecimento internacional não é movida apenas por marketing, acrescenta Virgínia. Produtos certificados, como a celulose da Veracel, que, por sinal, foi usada na impressão do último romance da saga Harry Potter, são mais aceitos em mercados exigentes e reforçam o posicionamento da empresa em um mundo cada vez mais atento à origem dos recursos naturais.
Um santuário em meio às plantações
A joia da coroa da estratégia ambiental da Veracel atende pelo nome de Estação Veracel, uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) com 6.069 hectares de Mata Atlântica preservada, reconhecida pela Unesco como Sítio do Patrimônio Mundial Natural. Localizada entre Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, a área abriga árvores com até 800 anos de idade, aves raras como a harpia (Harpia harpyja) e o simbólico crejoá (Cotinga maculata), além de mamíferos ameaçados de extinção, a exemplo da onça-pintada, que voltou a ser registrada após 20 anos sumida da região.
“Essa floresta viu Pedro Álvares Cabral chegar. Ela é testemunha de tudo”, brinca Virgínia. Durante a entrevista, ela fez uma defesa enfática do eucalipto: “Eu sou bióloga, amante da natureza e conservacionista. Além disso tudo, eu dou graças a Deus por a gente ter o eucalipto. A gente não abre mão da madeira, do papel higiênico, das fraldas descartáveis, do guardanapo, e tudo isso vem de onde? Da celulose. A celulose só é produzida por árvores. E nós temos o eucalipto, uma árvore considerada uma cultura, para ser plantada e cortada, para que floresta natural seja preservada. O eucalipto é um dos maiores aliados da conservação ambiental”.
A Estação Veracel abriga também um Observatório de Aves, centros de pesquisa com até 12 pesquisadores simultâneos e programas de educação ambiental que já receberam mais de 5 mil visitantes por ano. A reserva foi a primeira no Brasil a receber o selo FSC de conservação da biodiversidade como serviço ecossistêmico – reconhecimento ainda raro no setor.

Equilíbrio como modelo de futuro
A Veracel organiza sua atuação ambiental em quatro frentes principais: conservação ambiental, desenvolvimento territorial, restauração florestal e a Estação Veracel. Entre os projetos, estão corredores ecológicos, monitoramento constante da fauna e flora, e o incentivo à pesquisa científica, inclusive de demanda espontânea.
“Temos um compromisso com o território. A floresta em pé presta serviços ecossistêmicos que vão muito além da empresa. Regula o clima, mantém polinizadores, garante a água”, diz a bióloga.
Em tempos em que a agenda ESG ganha força, mas nem sempre se traduz em ação concreta, a estratégia da Veracel dá um recado claro: a conservação pode – e deve – caminhar com a produção. E talvez esteja na hora de reavaliar a forma como olhamos para o eucalipto. Afinal, se manejado com responsabilidade, ele pode deixar de ser vilão e se tornar guardião.
- Durante uma semana, o jornalista Geraldo Bastos, editor do IndústriaNews, percorreu mais de 1.600 quilômetros entre a Bahia e o Espírito Santo para conhecer de perto duas gigantes do setor florestal brasileiro: Veracel e Suzano. A viagem incluiu visitas às unidades industriais de Eunápolis e Mucuri, onde foi possível acompanhar o processo produtivo da celulose e do papel, além de entender como essas empresas têm investido em sustentabilidade, inovação e impacto social. O jornalista também conversou com os principais executivos das companhias, que compartilharam visões sobre o presente e o futuro do setor. Ao longo dos próximos dias, o IndústriaNews irá publicar uma série especial de reportagens revelando os bastidores dessa imersão no setor florestal, mostrando os impactos, os avanços e as contradições que movem uma das cadeias mais estratégicas da economia baiana.
- O jornalista Geraldo Bastos visitou as unidades da Veracel e da Suzano, no Extremo Sul da Bahia, a convite da Associação Baiana das Empresas de Base Florestal (Abaf)
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